Giovana Fehlauer Sociedade Individual de Advocacia OAB/RS 5.310

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"É preciso coragem para escolher amar as pessoas que nos cercam. Mais ainda, é preciso de valentia ao extremo para ir contra a própria família. Quando um membro do núcleo interno pratica condutas desonrosas, visando seus próprios interesses, a ajuda de fora mostra-se imprescindível."

A pele branca enrugada e manchada pelo tempo, denotando a idade avançada. Os olhos mais doces do mundo. Os cabelos com três dedos de fios brancos nascendo da raiz. O porte angelical e cheio de graça nas palavras, virtude que a acompanhou desde que eu era menino.


Apesar da atmosfera enferma do ambiente, não enxergava a demência desvanecer minha mãe, como todos alertaram. A doença chegara bruscamente, num varrer descomunal, mudando tudo pela frente - e no pior momento para a minha família.


A pacata cidade de São Leopoldo dava o tom apropriado para aquele episódio de novela quando todos souberam a traição de meu pai. O renomado jurista Miguel Prieto não só “pulara a cerca” como tentava liquidar pedaço a pedaço do patrimônio que, com a ajuda da mamãe, conquistou.


Mas mãe, como a senhora ainda pode ficar calma nisso tudo? Ele a traiu e está tentando roubar o que é seu por direito!

Deus sabe de todas as coisas, Renato. Tudo irá se acertar.

Sim. Disso não duvido mesmo.


A cólera aflorava em mim cada vez que minha mãe parecia amenizar o assunto. Desconfiava ser devido à demência. Em poucos meses, não reconhecia nem mesmo seus netos, e depois passou a estranhar meu rosto de filho.


As coisas iam de mal a pior. Meu pai estava irreconhecível. A gota d’água foi quando descobrimos que o dinheiro da família estava sendo usado para o pai se engraçar com a outra mulher.


Me diz, pai, como é jogar no ralo um casamento de mais de 50 anos? Ah, mas isso em nada se compara com o que vem fazendo pela mãe, não é?

Meu filho, você tem que entender; as coisas são complicadas… E só estou pegando o que é meu por direito; fui eu quem construí tudo. O salário da tua mãe nunca deu para nada.


| O divórcio formal e o pedido justo da partilha


Os meses foram avançando e julho chegou com a festa da imigração alemã e o aniversário da cidade. Todo o Vale do Rio dos Sinos entrava em folia para receber os milhares de turistas nos mais variados entretenimentos. Foi na Praça do Imigrante que vi minha meia-irmã pela primeira vez.


Ao lado da mulher que parecia a mãe da menina - descobri mais tarde que se chamava Estela -, meu pai esboçava um ânimo diferente, um sorriso mais prolongado. A paixão dominava suas expressões. Era este, então, o motor de onde tirava força para sugar minha mãe. Todavia, também sentia grande determinação tal qual meu pai; podia tanto ser a genética como o senso de justiça que lhe faltava.


Dia a dia, meu pai se distanciava mais. Ele estava preparando tudo para tirar minha mãe de casa. Dizia que ela seria melhor cuidada em um asilo. O que queria mesmo era fazer da casa dela o lar da nova família. Sentia em mim todas as bases abaladas.


Cheguei atônito ao escritório da advogada. Era inevitável enfrentar meu pai na “arena” que ele conhecia como ninguém havia anos. A advogada tomou a primeira providência: promover a interdição e nomear-me como curador de minha mãe.


Não podia ficar de braços cruzados. Orientado em como proceder nos primeiros passos, estava legitimado para representar àquela que tanto me cuidou e agora, devastada pela doença silenciosa e cruel, estava prestes a ser violada também em seus direitos. Não iria adiantar apelar para a conversa, o que mais eu poderia fazer?


O divórcio foi ajuizado e o objetivo imediato era garantir os valores depositados em aplicações, pois meu pai já usurpara o dinheiro que cabia à sua esposa. Minha advogada explicou que uma cautelar antecedente iria bloquear os recursos e impedir que as ações dele se perpetuassem.


| Separação decretada, e a definição do amor


Deferida a liminar pela juíza, meu pai tentou contestar a ação, embora suas razões não fossem suficientes para convencer a magistrada. Em menos de um ano o divórcio foi decretado e a partilha foi realizada mediante acordo.


Encontrei uma advogada que atuou de forma firme e destemida em todo o processo, garantindo não só Justiça em relação à partilha, mas, principalmente, relembrou ao meu pai que para tudo há um limite.


Depois de tantas arestas entre meu pai e o resto da família, ele decidiu assumir Estela e se mudar de vez. Isso me fez refletir sobre os anos em que vivemos juntos e todas as memórias construídas. Algumas coisas ainda ficam entaladas na garganta.


Parafraseando um grande escritor irlandês, a cada vez que tomamos uma decisão, transformamos nossa essência em algo um pouco mais diferente do que era antes.


Viver uma vida com um coração mau é a perenidade do infortúnio, ainda que isso não seja nítido por um tempo. Realmente, Deus sabe de todas as coisas e tudo se acertou. A maior lição que guardo vem de minha mãe. Ela sempre me ensinou que o amor não é um sentimento afetuoso, mas um desejo constante pelo bem supremo da pessoa amada, tanto quanto pode ser conseguido.



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Anônimo