Giovana Fehlauer Sociedade Individual de Advocacia OAB/RS 5.310

contato@giovanafehlauer.adv.br

"Nem sempre a dor grita. Ás vezes, ela é silêncio, é medo e sofrimento. Mas a dor não é para sempre. E assim que o contragolpe acontece, uma nova chance de voar aparece."

O machismo mata. É perverso porque faz isso sorrateiramente, todos os dias, a cada instante, o tempo todo. E mais, prescinde da presença dos homens para machucar, porque ele é macro, é estrutural e estruturante da sociedade. Mata em silêncio e aos poucos, a ponto da vítima nem perceber que está morrendo.


Foi assim com Lúcia, 50 anos, mãe de dois filhos adultos, esposa dedicada e dona de casa exemplar. Vivia para o lar e sem sair dele, lá pelas bandas da fronteira. A esfera privada era o seu lugar seguro. Mas por quê? Nisso ela nem pensava, a vida andava depressa demais para esse tipo de reflexão. E questionar as vontades do marido não era opção.


Os anos se passaram, e Lúcia já havia sido golpeada inúmeras vezes, mas se separar nem passava pela sua cabeça. Primeiro, Ernesto, seu esposo, um rico fazendeiro de 55 anos, começou com pequenos insultos, insinuando que ela não era boa mãe, que não fazia bem o seu papel de esposa. Quando começou a tomar os primeiros golpes, ela reagiu e reagiu de novo e mais uma vez. Até que, exausta de lutar, passou a acreditar no que Ernesto dizia. Ele falava, ela aceita, mais um golpe tomava, agora acreditando merecer, o que tornava a ferida ainda maior.


Às vezes, no meio da aceitação, uma lucidez surgia e a fazia levar alguns planos adiante. Foi assim que resolveu cursar o ensino superior, o marido foi contra. Afinal, por que uma mulher que tem tudo iria querer passar trabalho estudando?. E os filhos?. E o jantar?. Quem cuidaria da casa, naquela Fazenda onde o nascer e o pôr do sol eram deslumbrantes?.


Com persistência e uma força incrível, dessa vez Lúcia foi até o final e se formou. Mas quando isso aconteceu, ela já sangrava demais, e não teve forças para mais nada. Agora, era uma mulher com ensino superior completo, mas sem diploma. Pois Ernesto a tinha convencido que ninguém a contrataria, ela não era boa o suficiente. Sangrando, só restou aquela mulher concordar, como tantas outras brasileiras, e aqui eu não estou falando no sentido figurado.


A prisão do matrimônio


Isolada, sem amigas, sem sair de casa, presa como um passarinho na gaiola, ela realmente acreditou que não sabia mais voar. Ernesto tinha feito a sua parte muito bem. Mas obviamente não só ele, todos os homens tinham participação na dor de Lúcia. Já sem alternativa e sem qualquer autonomia financeira, começou a trabalhar com o marido e a ter duas gaiolas: a da casa e a do trabalho. Nos dois locais, era vigiada, controlada e convencida diariamente de que não tinha o menor valor. E que se separar não era uma alternativa.


Porém, tudo começou a mudar quando o último golpe foi dado. Após tanto tempo de casamento e dedicação exclusiva à família, Lúcia descobriu que seu esposo tinha outro relacionamento e que por anos foi infiel. Quase sem acreditar, se levantou e foi em direção à porta de saída. Impressionantemente, a dor se tornou luz, iluminou a escuridão na qual vivia e a levou a enxergar um novo horizonte. Só que ele era cinza, nebuloso, era como a chegada de uma tempestade, uma onda do mar na qual ela mergulhou de cabeça. Essa onda era a depressão, que a arrebatou e a jogou contra as pedras por diversas vezes. Quem poderia salvá-la?. Quem seria capaz de resgatar Lúcia? Mais ninguém a não ser ela mesma. Foi então que recobrou a consciência, encontrou na terapia o seu ponto de equilíbrio e se separou do marido. Porém, Ernesto não podia deixar que ela escapasse. Eles continuaram trabalhando juntos, sem fazer a partilha do patrimônio, ele a mantinha dependente financeiramente.


Após algum tempo, Lúcia descobriu que Ernesto há muito lhe enganava também sobre os lucros da Fazenda. Mais forte, depois de já ter aberto uma das gaiolas que a aprisionava, decidiu que estava na hora de lutar pelos seus direitos patrimoniais, de se reerguer, já não queria mais sangrar, iria reagir. Agora, sabia quem era, conhecia seu valor, sua força e tinha certeza que merecia mais.


A soma de forças para a separação


Com plena consciência de que precisava de ajuda, de que a luta não era de uma única mulher, procurou uma advogada especializada em Direito das Famílias. Foi difícil olhar nos olhos daquela profissional, até então desconhecida, e contar tudo que passou e reviver os momentos de dor. Mas o acolhimento recebido e a ajuda de uma amiga a encorajaram a seguir em frente. E o que aconteceu foi uma soma de forças entre pessoas que sabiam muito bem aonde tudo aquilo doía.


A luta era difícil, mas a advogada tinha as armas certas para contragolpear Ernesto, que resistiu, mas acabou sucumbindo ao posicionamento de uma mulher forte, combativa e qualificada, que recompensou a confiança de Lúcia dando a ela o direito de ser feliz e de ter uma vida digna por meio da partilha justa do patrimônio do agora, finalmente, ex-casal.


Atualmente, Lúcia voa livre por aí.



Sobre o autor (a)

Anônimo