Giovana Fehlauer Sociedade Individual de Advocacia OAB/RS 5.310

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"Quando duas pessoas se unem para uma terceira frutificar, um som único e inaudível é produzido. Só no decorrer da relação o repertório irá ser definido, formando melodias diárias. Quando a união do casal quebra, a música não acaba. Ao contrário; novas canções são ouvidas."

Que música é esta? Essa melodia me atrai. É o timbre perfeito para minha voz. Esse som, essa letra… Me faz sentir em casa. Parece que é a canção da minha vida. Melhor: foi feita especialmente para mim. Quero cantá-la para sempre. Meu corpo todo vibra na harmonia e quero dançar a cada trecho da sinfonia. Esperei uma eternidade para isso.


Primeiro mês. Meus pais ainda não sabem, mas fui eu o sortudo entre bilhões de espermatozóides. Depois da noite prazerosa deles, me cobri logo de placenta e líquido amniótico. Minha mãe nem desconfia, mas meu coração está batendo mais rápido que o dela, 150 vezes por minuto. Mais do que quando estava com meu pai, no dia em que fui concebido.


Meus olhinhos, minha boquinha e meu narizinho já foram formados. Meus bracinhos e perninhas também. Meus pais ainda não sabem, mas eu sei de tudo o que está acontecendo. Como a minha mãe queria algo mais sério e meu pai não. A insegurança dele quando descobriu de mim. Tudo. Sinto eles em todo o meu corpinho.


Não posso culpar ninguém, apenas vou percebendo isso em silêncio. Fazia pouco tempo que eles estavam juntos. A música mudara. Agora era um som mais grave e áspero. Como faca raspada em pedra. Meu pai já não sentia mais o desejo pela minha mãe. Enquanto ela sentia a falta de atenção, eu crescia dentro dela.


Sexto mês. Já sei diferir o doce do amargo na boca. E das relações também. Reconheço vozes externas e reajo a estímulos. Como quando minha mãe vai ao médico fazer o pré-natal sozinha e acaricia a barriga dizendo que tudo vai ficar bem. Também acredito nisso. Meu pai é um bom homem, talvez só esteja assustado demais.


Meses depois, tive mais consciência disso. De como ele se sentia traído por encarar a paternidade tão cedo. Ele ainda não estava pronto para assumir tanta responsabilidade. O que eu podia fazer era esperar o momento certo. E esperei.


| O dilema da guarda dividida


Filho é bênção de Deus. No dia do meu nascimento, minha mãe estava nervosa como nunca e meu pai chegou às pressas; chorou, emocionado. Meu nome é Gabriel, e meus pais são a Gisele e o Maurício. Finalmente, conheci esse mundo. E mais de perto, o mundo deles dois.


Me baseio em trilhas sonoras para captar o ambiente e as pessoas. Aquela aura mágica que se forma quando duas pessoas se apaixonam não existia mais entre meus pais. Saudades da música da minha vida. Será que ainda a ouço algum dia?


Meus primeiros meses de vida foram conturbados e cheios de tribulação. As brigas entre os meus pais ficaram intensas e, no fundo, os dois sabiam que não havia mais jeito de se acertarem. Eles sequer se reconheciam intimamente, pois nem mesmo a casa dividiam mais.


Eu ficava entre o fogo cruzado. Meu pai estava se afeiçoando do jeito dele comigo, mas não queria mesmo contato com mamãe; ficava nesse impasse. Acho que como última tentativa, mamãe disse que era só eles voltarem como um casal que ele poderia estar comigo todos os dias.


Ele recusou. Ela recrudesceu. Teve um dia em que meu pai quis me ver, e ela não deixou, se descontrolou, e havia razão para isto. Foi então que ouvi um som diferente, da sirene do carro de polícia, chamada por mamãe.


Papai foi acusado de violência doméstica. Estava impedido de me ver e de se aproximar da minha mãe. Sentia-se envergonhado, temeroso e desesperado. Ele precisava de ajuda.


| A resolução dos conflitos com a tutela partilhada


Me sentia incompleto, meio deslocado, sufocado nisso tudo. Os filhos não sobrevivem por inteiro só com a mãe ou apenas com o pai. Precisam dos dois. Da música dos dois. Indicaram ao meu pai uma advogada de outra cidade, e que diferenciava-se dos demais em assuntos do Direito da Família. Tinha tato com situações delicadas.


Desde o primeiro contato, foi estabelecida uma relação de absoluta confiança entre eles. Ela estimulou meu papai a refletir sobre as responsabilidades de ter um filho, e que tinha que cuidar de mim junto com mamãe; preciso dos dois perto, afinal.


A estratégia que ela utilizou foi o diálogo, e ainda bem que todas as coisas se resolvem na conversa. Meus pais precisaram de um tempo para elaborar as questões da conjugalidade e aceitar as diferenças. Eu fui o maior ponto de equilíbrio dos dois. Meses mais tarde, a advogada veio à nossa casa para assinar o acordo de guarda.


Concordaram nos valores para papai garantir meu sustento, e os dias que podia estar comigo. Foi bonito de ver uma pessoa de fora, totalmente estranha, conseguir unir meus pais para sonharem juntos o meu futuro. A advogada ajudou a trazer essa âncora invisível que firmava o pé de todos a partir daquele momento.


Meu pai acha que não percebo, mas sinto a alegria dele quando envia fotos nossas para ela ver, e a gratidão que sente por tudo que fez por nós. Eu também agradeço e nunca a esquecerei.


Para mim, foi como uma nova nota musical. A vida não é uma melodia bonita e harmônica em todos os dias. Tem vezes que há sons melancólicos e trilhas sombrias. Outras vezes há somente um barulho confuso, sem letra. Noutras, a música é suave e traz calmaria. Aprendi a ouvir todas elas. Acho que a melhor música vem quando se sente paz. Quando olho o passado, é nessa canção que me apego, e vou crescendo, dentro e fora de mim.

Sobre o autor (a)

Anônimo